Gestos de amor, práticas de seduçãoSP/2024
(Curadoria) Fabíola Rodrigues, Germano Dushá, Rafael RG
(Artistas) Antonio Henrique Amaral, Bisoro, Chico Tabibuia, Daiely Gonçalves, Ferrerin, Geoneide Brandão, Gustavo Torres, Hudinilson Jr., Ismael Nery, José Leonilson, Julia Gallo, Linga Acácio, Lygia Pape, Maria Auxiliadora, Maria Lídia Magliani, Maria Martins, Marina Borges, Movimento Negro Unificado, Nazas, Pagu, Rainha F., Renato Noguera, Sidney Amaral, Tatiana Chalhoub, Tayná Uràz, Teresinha Soares, Tunga, Val Souza, Wanda Pimentel, Xamânica
Há diversas maneiras pelas quais o desejo pode se manifestar. Uma delas é a movimentação de líquidos no corpo. Ao admirarmos uma vitrine de doces, por exemplo, a boca pode inundar-se de saliva, evidenciando a resposta imediata do organismo. Durante o beijo, a produção de saliva também aumenta, tornando o ato não apenas um toque entre lábios, mas também uma troca úmida de emoções. A interação entre corpos pode originar uma erupção de suor, bem como fricções entre certas partes do corpo podem gerar a umidificação dos órgãos sexuais — que, estimulados, no limite geram líquidos de texturas insólitas, imbuídos de mistérios.
Uma das interpretações etimológicas da palavra “desejo” está ligada a um termo do latim que significa "das estrelas". Sendo assim, sua origem estaria relacionada com uma dimensão sideral do anseio e da esperança: em um sentido mais poético, com a espera por algo que os astros podem nos trazer. O desejo, como essência, é a causa das paixões. Sua consequência fatal é o amor. E tudo isso acontece como uma dança química, uma sinfonia de substâncias que fluem, fazendo-nos compreender o nosso lugar no universo. São cursos d'água que desembocam em diferentes rumos, a depender da dinâmica dos encontros e de sua capacidade de afetar e ser afetado. É por meio da pluralidade dos afetos que o amor se traduz em ação.
Como segunda edição do programa Contra-Flecha, a exposição "Gestos de amor, práticas de sedução" apresenta diversas formas de discutir e representar essas ideias. A exposição reúne várias gerações e vozes distintas, formando uma constelação que vai da biologia e da química da libido à magia do poder de atração, revisitando inspirações românticas, sensações de prazer e conexões sexuais, bem como as amizades e os laços familiares. Nesse percurso, a mostra parte de três referenciais: o primeiro é a vida e a obra de Maria Martins (1894-1973), cujo legado é permeado por trabalhos que entrelaçam relações radicais de amor, entrega e fantasia e por uma trajetória pessoal marcada por vínculos afetivos complexos e transgressões das barreiras de gênero. O segundo são os "Objetos de Sedução” de Lygia Pape (1927-2004), composições feitas com diversos itens que podem ser entendidas como "amarrações". Eles surgiram em um contexto expositivo específico, no ano de 1976, e conta-se que a artista os usava para presentear pessoas próximas. Por fim, compõem o diálogo as reflexões e poéticas do filósofo e escritor Renato Noguera (1972-), que aborda o amor e o afeto a partir de múltiplas cosmologias.
Desse modo, a exposição organiza-se voltando seu olhar para práticas que abordam ou incorporam noções de excitação e intimidade. São, portanto, obras que pensam a natureza das interações humanas e não humanas, que acreditam no poder da sedução — ou da repulsa —, e que versam sobre a materialidade e a abstração das relações. São criações que entendem o amor para além de sua literalidade, como uma energia que nos move em muitas direções.
No campo expositivo emergem olhares magnéticos, bocas e braços abertos, dentes e dedos, danças e dribles. Rosas e antúrios, símbolos e poses que sugerem vontades, declaram intenções ou partem para o enlace e as carícias. As pulsões interiores juntam-se às noções políticas que apresentam distintas formas de sentir, desejar e se relacionar. Aqui, o curso dos afetos nunca é estático: é sempre possível alterar a direção das correntezas.